Produtores indígenas lutam pela desburocratização para acesso a créditos para cultivar grãos
Produtores rurais indígenas enfrentam dificuldades para expandir a produção agrícola Mato Grosso devido à falta de suporte financeiro para investimentos e possibilitar mais qualidade de vida nas comunidades. Por se tratar de área indígena, eles têm dificuldades para conseguir financiamento e acesso às linhas de crédito concedidas a outros produtores rurais.
Anualmente, o agronegócio indígena no estado movimenta cerca de R$ 50 milhões.
Uma das reivindicações é a criação de linha de crédito especial voltada aos produtores rurais indígenas, assim como acontece com agricultores familiares que vivem em terras da reforma agrária, ainda sem regularização fundiária, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com juros mais baixos e não há a necessidade de oferecer a propriedade como forma de garantia.
A produção já é realidade em algumas terras indígenas de Mato Grosso, como na Reserva Pareci, em Campo Novo do Parecis; na Sangradouro, em Primavera do Leste, e na Utiariti, em Sapezal, mas muito ainda precisa ser feito.
Na Terra Utiariti, os indígenas cultivam cerca de 500 hectares de soja convencional, mas a meta é expandir.
A advogada indigenista, Cássia Souza Lourenço, conta que os indígenas da etnia Utiariti têm interesse em aumentar a margem de lucro e se tornarem independentes, mas que, para isso, precisam de ajuda para iniciar a próxima safra.
“Eles conseguiram, por meio de uma Cédula de Produto Rural (CPR), um título que representa uma promessa de entrega futura de um produto agropecuário, com a anuência da Fundação Nacional do Índio (Funai), recursos para adquirir parte do necessário para a produção, mas ainda não é suficiente”, explica.
Como trata-se de área indígena, considerado território da União, ainda que esteja demarcada e homologada, não é possível oferecer a propriedade em garantia em um possível financiamento.
Com isso, segundo a advogada, restam apenas duas opções de garantia: a própria produção e os maquinários que eles possuem.
Cássia Lourenço ressalta que o setor tem mudado a realidade social e econômica das comunidades indígenas envolvidas. Segundo ela, com possíveis parcerias, esses produtores podem se desenvolver ainda mais, garantindo benefícios econômicos e sociais aos envolvidos.
“Considerando que se trata de uma produção sustentável, com garantias, histórico de know-how em produção agrícola e, acima de tudo, por tratar-se de produção indígena, há a possibilidade de trazer aspectos positivos para o parceiro e para o agronegócio brasileiro”, ressalta.
Dificuldade de expansão
Na Terra Indígena Bakairi, em Nobres, os indígenas já iniciaram a produção agrícola nas aldeias. No entanto, apesar da capacidade de expansão, eles enfrentam limitações.
“Existem muitas leis que impedem nós indígenas de sermos grandes produtores. As leis sempre deixaram os indígenas distantes da modernização, mas estamos lutando para mudar essa realidade”, disse o indígena e produtor rural Edson Bakairi.
Os Bakairi, segundo Edson, sempre produziram e tiveram contato com a sociedade, fazendo vendas e trocas desde o século passado.
“Por volta da década de 70, com a vinda de produtores do Sul do país, que já tinham o domínio da lavoura mecanizada, meus tios se envolveram e aprenderam muito trabalhando no campo. Chegou um momento em que passamos a trabalhar para nós mesmos”, conta.
Apesar de já dominarem as técnicas de lavoura mecanizada, os indígenas começaram a ter impasses devido às questões ambientais. A lei, segundo Bakairi, limita o indígena para que produza apenas para consumo próprio.
Edson relembra que na década de 80, a comunidade recebeu doações de tratores por meio da Funai para iniciar as lavouras mecanizadas. De início, plantaram arroz, milho e mandioca, como forma de segurança alimentar.
A partir de 2018, a comunidade começou a pensar em uma produção em grande escala, para que fosse possível a comercialização.
Os indígenas passaram a colher cerca de quatro mil sacas de arroz. Após a colheita, eles dividem 25 sacas para cada família e o restante é comercializado. O dinheiro das vendas é revertido para suprir as necessidades da comunidade.
Segundo Edson, agora eles conseguiram um licenciamento para plantar arroz, milho e soja em cerca de 995 hectares, mas a falta de recursos ainda limita a produção em grande escala.
“Nossa dificuldade agora é encontrar parceiros para investir nas nossas atividades”, pontuou.
Atualmente, são cerca de 270 pessoas morando na Terra Indígena Bakairi.
No ano passado, o governador Mauro Mendes anunciou que criaria uma linha de crédito específica para auxiliar as cooperativas indígenas de Mato Grosso.
À época, o governador citou os Paresi como exemplo de produção sustentável no estado e afirmou que facilitaria o acesso dos produtores a financiamentos para expansão da produção.
No entanto, os indígenas afirmam que ainda enfrentam dificuldades para conseguir ter acesso às linhas de créditos no estado.