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Indígenas que tiveram que deixar território após vazamento poluir rio cobram indenização de usina


A Associação Indígena Balatiponé, que representa o território Umutina, em Barra do Bugres (MT), entrou com um pedido na Justiça, na sexta-feira (28), para que os indígenas possam receber diretamente as indenizações cobradas da Usina Itamaraty, por danos materiais e imateriais causados pelo rompimento de um duto, em 2007.


Até então, os indígenas eram representados somente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e agora devem fazer parte da ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Com isso, poderão ter os danos reparados, de fato, assim que o processo for julgado, e investir em vários projetos já existentes e que não saem do papel por falta de recursos financeiros.


Os estragos foram provenientes de uma falha na tubulação pela qual a usina descarta o bagaço da cana-de-açúcar, causando a poluição do Rio Bracinho, considerado o principal meio de subsistência da comunidade.


Essa falha cometida pela usina provocou grandes perdas aos indígenas, como a morte de milhares de peixes usados para a alimentação de cerca de 100 famílias que vivem na região e a regressão das lavouras, já que eles não podiam mais usar a água do rio.


“A degradação ambiental em discussão afetou diretamente a cultura e os costumes indígenas da Comunidade Umutina, tendo em vista que além dos danos “visíveis” vários indígenas foram obrigados a abandonar seus territórios, os quais são sagrados para os mesmos”, diz o pedido dos indígenas.


No mesmo ano, em 2007, o MPF ajuizou uma ação contra a usina, visando a reparação do dano ambiental. Por se tratar de uma área indígena, a Funai pleiteou e passou a fazer parte dessa ação com um pedido de indenização para os indígenas de modo geral.


O processo tramita na Justiça Federal e há quase 15 anos os indígenas afetados com esse vazamento aguardam o desfecho da ação.


A advogada Cássia Souza Lourenço, que é assessora jurídica da Associação Balatiponé, afirma que esse novo pedido, feito agora pelos próprios indígenas, tem o objetivo de garantir que os recursos sejam destinados a eles, para que haja justiça.


“Os indígenas estão entrando em nome próprio para que a indenização a qual a Funai seria a administradora e reverteria em forma de políticas públicas, seja recebida direto para eles. Muitas vezes o dinheiro não chega até os prejudicados. Os indígenas já provaram que têm condições de se representar e de gerir suas finanças”, ressaltou.


Inclusive, como citou a advogada, há vários indígenas da etnia Umutina, com formação superior em áreas diversas.


Conforme a ação, os indígenas têm direito a receber da usina os seguintes valores a título de indenização:


- Danos morais: R$ 10 mil para cada família (que com a correção de juros e inflação deve ficar em R$ 50 mil), totalizando cerca de R$ 5 milhões

- Danos materiais: R$ 22 milhões

- Danos ambientais: R$ 2 milhões


De acordo com Cássia Lourenço, em todo esse período, a comunidade foi ouvida somente em duas perícias, a antropológica e a ambiental.


A ação requer, além do pagamento das indenizações, que seja dado prosseguimento ao processo, com a intimação das partes, e que qualquer decisão sem a presença da Associação Indígena seja declarada nula.


“Importante destacar o trabalho do MPF junto com a Funai na defesa dos direitos coletivos da comunidade indígena. O objetivo da intervenção jamais será criticar os trabalhos já realizados, mas sim agregar esforços no combate as irregularidades cometidas na comunidade”, diz o pedido da Associação.


Conforme a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, eles têm o direito de serem livres e iguais a todos os outros seres humanos em dignidade e direitos, e de serem livres de distinção ou discriminação adversa de qualquer tipo baseada em sua identidade indígena.


As comunidades indígenas são divididas em três grupos, os isolados, em vias de integração e os integrados, segundo o Artigo 4º do Estatuto do Índio, e a Umutina se classifica como integrada, a qual é incorporada à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições culturais.


“A intenção é demonstrar a necessidade de reversão direta de tal indenização para os indígenas, em razão dos prejuízos causados aos mesmos”, diz trecho da petição.


Impactos devastadores


O laudo pericial feito em 2017 apontou a necessidade de mudança de algumas famílias da comunidade devido à poluição do córrego, que desemboca no Rio Paraguai.


Uma dessas famílias é a do cacique Cacildo Amajunepá. “Tivemos que deixar tudo e procurar outra renda, pois até então nossa renda era o peixe. Precisamos vender tudo que tínhamos para tomar outro rumo”, contou.

Ele contou que foi um momento muito difícil para a família. “Tínhamos gado, diversas plantações, como limão, banana, entre outros. Também tínhamos geradores, mas tivemos que deixar tudo”, afirmou.


O Rio Bracinho é fonte de subsistência da Comunidade Indígena Umutina, pois, além de garantir a alimentação (pescado), é responsável pelo abastecimento de água da comunidade, não somente para uso pessoal, mas também para irrigação de plantações mantidas pelos indígenas.


Recentemente, a comunidade iniciou o plantio de café com um projeto de exportação do produto, dependendo, assim, da irrigação do rio, o qual ainda se encontra contaminado pela vinhaça da usina.


Danos antropológicos


A perícia antropológica apontou que o vazamento causou prejuízos de ordem cultural para os indígenas da comunidade Umutina. Muitos tiveram que migrar para outras áreas ou até mesmo sair dos territórios indígenas e ir para os ambientes urbanos, depois de se virem obrigados a abandonar suas culturas e seus ancestrais, já que o cemitério que existia no local também foi prejudicado.


Os cemitérios indígenas são muito importantes para as comunidades e representam lugares sagrados.


“A perícia antropológica foi muito especifica ao quantificar os danos sofridos pelos indígenas e, ainda, conceituar a moral de tais povos, a qual está ligada à sua cultura e costumes”, destaca a Associação.

Entretanto, a única penalidade aplicada à empresa devido aos danos até agora foi apenas uma multa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), de R$ 4 milhões, pelos prejuízos ambientais causados.

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